A empresa não é sua família
Se você é
daqueles que acham que o seu trabalho é substituto para a sua família, é
melhor ler o artigo abaixo, de Lucy Kellaway para o Financial Times,
traduzido e publicado no jornal Valor Econômico de 10/02/14:
Colegas de trabalho e chefes não fazem parte da sua família
No
mês passado, quando o Google gastou US$ 3,2 bilhões em uma empresa de
alarmes que detectam fumaça, Larry Page declarou que a equipe da Nest
era formada por ótimos sujeitos e que ele estava "entusiasmado em
dar-lhes as boas-vindas à família Google".
A
conversa mole soou estranhamente familiar. Há pouco mais de dois anos,
quando o Google acertou a compra da Motorola Mobility por US$ 12,5
bilhões, ele alardeou o mesmo tipo de boas-vindas aos cerca de 20 mil
funcionários da empresa adquirida. "Estou ansioso para dar as
boas-vindas aos 'Motorolans' a nossa família de 'Googlers'", disse na
ocasião.
Na
semana passada, a empresa provou como cuida bem de suas crianças
recém-chegadas. Sem cerimônia, vendeu a empresa de telefones celulares
para a Lenovo, empurrando os desprezados Motorolans para outra família
adotiva (embora mantendo as valiosas patentes da Motorola). A ideia, tão
querida por Page e pela metade mais melosa do mundo empresarial dos
Estados Unidos, de que os funcionários são de alguma forma parte da
família é uma das metáforas mais ilusórias da vida profissional moderna.
É
verdade que há certas similaridades entre uma família real e a
"família" do trabalho. Os membros das duas passam muito tempo juntos. Em
ambas, provavelmente há alguns valores compartilhados e certas aversões
comuns. Pode até haver semelhanças físicas. Os membros de uma família
real podem, hereditariamente, ter queixo para dentro, enquanto em uma
família postiça, os funcionários podem submissamente usar blusas com
capuz apenas porque o chefe também o faz.
Em
outros aspectos, a metáfora é enjoativa, pouco sincera e totalmente
falsa. Para começar, é errada em termos de tamanho. Posso dizer que
entendo algo de famílias grandes. Meu marido tem seis irmãos. O Google,
contudo, tem 46 mil funcionários. Ninguém pode ter tantos irmãos, ou
mesmo, primos em terceiro grau.
Também
é errada em termos de emoção. A família é o melhor tubo de ensaio já
visto para cultivar o amor e o ódio. Os locais de trabalho funcionam com
muito mais tranquilidade sem nenhum dos dois. E uma diferença ainda
mais crucial é que não se escolhe a família - você está preso a ela e
não pode demitir seus integrantes se eles estiverem fazendo um mau
trabalho. Você pode ter uma discussão descontrolada e dizer-lhes para
nunca mais pisarem em sua casa, mas eles ainda vão ser sua família.
Por
outro lado, quando alguém sai de uma empresa, automaticamente deixa de
existir para eles. Todos escrevem nas mensagens de despedida: "este
lugar não vai ser o mesmo sem você". No entanto, após um período
indecentemente curto, volta a ser exatamente o mesmo. Não há nada de
errado nisso, e a situação flui melhor assim.
Os
fluxos financeiros nos dois grupos também são diferentes. Na família
real, geralmente, não se paga para as pessoas fazerem tarefas por você
(pagar uma criança para lavar o carro é um mau negócio em comparação a
levá-la, só com o olhar, a fazê-lo em troca de nada). Quando o dinheiro
troca de mãos dentro das famílias, isso não tem relação com o
desempenho.
Se
as famílias postiças ficassem mais parecidas com as reais, isso não
seria uma mudança para melhor. Tradicionalmente, a casa é onde os filhos
são criados, as consultas ao dentista são marcadas, as refeições são
preparadas e as roupas são lavadas. Cada vez mais, contudo, essas
tarefas vêm sendo feitas no trabalho.
Algumas
empresas, como o Google, podem te preparar a comida, cuidar de seus
filhos, seus dentes e lavar sua roupa, proporcionando benefícios
superficialmente atraentes, mas que, lá no fundo, são sinistros.
Primeiro, eles tornam o empregador uma figura central demais na vida dos
trabalhadores, oferecendo não apenas um meio de vida, mas uma "solução
de vida total". Segundo, esses benefícios infantilizam. Fazer nossas
tarefas e cuidar de nossas famílias é o que nos torna adultos. O pior é
que, livres das responsabilidades domésticas, podemos trabalhar ainda
mais. Investir menos em nossas famílias reais e mais em nossas postiças
não é uma jogada sensata.
Essa
confusão entre trabalho e família me deixa ansiosa, mas não chega a ser
tão ruim quanto o que acontece na PepsiCo. Não satisfeita em tornar os
funcionários parte de sua família postiça, a CEO Indra Nooyi também
envolve as famílias reais. No mês passado, ela disse a uma plateia em
Davos que escreve cartas pessoais aos pais de seus subordinados diretos,
agradecendo-lhes pelos talentos de seus filhos.
Ainda
mais assustador, ela ligou para a mãe de um potencial contratado
pedindo a ajuda dela para persuadir o filho a escolher o emprego na
PepsiCo. Isso me dá calafrios. Quem tem idade suficiente para trabalhar
na PepsiCo é capaz de tomar suas próprias decisões. E, de qualquer
forma, esse tipo de abordagem pode sair pela culatra. Lembro-me quando
ainda no início da idade adulta rompi com um namorado, que, então,
decidiu visitar meus pais, para ver se eles podiam intervir em sua
defesa. Não há espaço para dizer o que aconteceu a seguir. Mas a PepsiCo
deveria tomar nota: não acabou nada bem.
Fonte: http://ocontornodasombra.blogspot.com.br/
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